segunda-feira, 11 de abril de 2011

Os Marinbondos

Estávamos no mesmo quarto daquele dia da chuva se lembra, minha tia Lúcia estava lá também, ela é irmã de minha mãe e mora em Jacarezinho, numa chácara bem próxima à cidade, muito gostoso lá. Miguel, meu filho mais novo, numa certa visita, gostou muito também, catou minha prima Margarete pela mão e saiu em passeio, foi ver os bezerros, gansos e cisnes... Minha tia cozinha muito bem, ela faz um queijo divino, uma delícia.
Mas naquele dia ela ainda era solteira e morava no sítio com o vovô e a vovó. Minha mãe e ela conversavam bastante, entre um afazer e outro em suas costuras ou bordado, não lembro direito, lembro que ali havia uma máquina de costura e minha mãe estava sentada junto dela e era o local para esse trabalho, além também do tricô e do clochê que minha mãe ainda faz muito bem; e eu estava por ali, como gosto muito de minha tia, ficava sempre próximo dela.
A Alda perambulava pelo quarto todo; a janela parecia chamar a atenção dela, pois a todo o momento ela ia para janela, olhava para fora e para cima, minha mãe como sempre destinava um olho para nós, e sabendo como era a menina, vigiava o tempo todo.
Percebi que a Alda começava a subir na janela e ficava de pé com a cabeça para fora, por trás da vidraça levantada, onde ela segurava com uma mão; minha mãe e a Tia Lúcia advertiam a Alda a cada momento, mas ela parecia não ouvir, sempre falando algo ou cantarolando; ela me faz lembrar a Stephani. Stephani é minha filha mais velha, desde pequena Stephani perambulava muito também, com uma ressalva, não era tão “arteira” quanto a Alda.
Houve breve descuido...
Depois de tanto peraltear levemente, a Alda, precisando fazer algo de impressionante, expetacular, ou até mesmo peraltice pesada, sobe de manso na janela; eu acompanhava tudo; ela olhou para minha tia, para minha mãe e para mim, percebendo a incúria delas, avança com o corpo para fora, nesse momento eu só via uma de suas mãos segurando na janela, os seus pés levantando o corpo ficando bem na pontinha dos dedos, até ficar apoiada na ponta de apenas um dos dedões, já que a outra perna balançava no ar para dar equilíbrio e alcançar seu objetivo.
Segundo o relato da própria Alda nos dias de hoje, ela tinha queria alcançar uma caixa de marimbondos que ficava próxima ao beral da casa, pura curiosidade infantil, e conseguiu o que queria; colocar o dedo lá, com o indicador direito ela sentiu-o deslisar para dentro do habitat daqueles insetos que se tornam terríveis quando perturbados; não deu outra, uma nuvem deles saiu alvoroçadamente em nossa direção, entranto por todo quarto, não sei como a Alda veio ao chão tão rapidamente, me lembro em flashs da correria e que em seguida eu estava coberto por uma manta, e minha mãe e minha tia gritavam: ‘fica quietinho aí’, fiquei lá só ouvindo os gritos e ais.
O restante dá para imaginar, a tia Lúcia, minha mãe e a Alda ficaram cheias de inchaços pelo corpo. Só eu saí ileso nesta. Imaginem a bronca que ele levou, como se isso fosse mudar o jeito dela. Sabe por quê? Não. Então leia a próxima história e saberá.


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A Chuva na Janela


Era à tarde, me lembro que havia passado o horário de almoço, estava bem claro apesar da chuva, parecia que era uma chuva de verão, daquelas em que você o sol num lado e a chuva noutro; o clima estava maravilhoso, sentia-me muito bem, a janela do quarto estava aberta e podíamos ver as goteiras de chuva caindo do beiral do telhado, minha mãe costurava, era ela que fazia nossas roupas, bordava, tricotava, clochetava, zirzia e tudo mais relacionado a as roupas.
A Alda? Ah! A Alda estava entre a janela e a cama, ela pulava de uma cadeira enconstada na parede junto à janela para a cama e vice-versa.
Para mim a chuva era algo mágico. Via aquelas gotas de água caindo e ficava sempre pensando de onde elas vinham, meu pai disse que elas vinham do céu, e era São Pedro lavando o chão do céu, e com isso derramava água na terra; os trovões era barulho dos móveis sendo arrastados lá em cima. Para os relâmpagos não lembro ter ouvido explicações.
Num certo momento a Alda começou a passar a mão pelas goteiras, para isso ela avançava com o corpo para fora da janela, em seguida trazia a mão para dentro e mostrava para mim, ‘oh não molha, não molha’; ia para lá envergava o corpo e passava a mão novamente pelas goteiras e repetia ‘não molha, não molha’; eu ficava mais encantado ainda, como poderia ela fazer aquilo, era muito mágico, eu gostaria de fazer também, mas era muito alto e eu era muito pequeno ainda.
Numa dessas idas a Alda foi com tudo, a cintura dela ultrapassou a altura da janela e ela ficou sem apoio, só vi a pernas dela virando para cima, a Alda estava caindo ia bater a cabeça e podia quebrar o pescoço, eu lembro que sempre me falavam isso; e num sobressalto eu vi minha mãe agarrando ela pelos tornozelos, já estava apenas vendo seus pezinhos, quando minha mãe a salvou.
Dá para repetir: ‘Que anjo forte tem essa Alda’.




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O Poço e a Lata de Cêra


Depois dessa, por mais incrédulo que você seja irá acreditar que anjos existem. Lembro vagamente desta cena, minha mãe afirma que eu estava dormindo, mas existe uma imagem em minha mente tão clara que faz-me acreditar que eu estava lá, ao lado da Alda.
Naqueles tempos, meados dos anos 60, o chão das casas era de madeira e para mater aquele piso brilhando o costume era encerá-los e despois lustrá-los para que tudo ficasse bonito, limpo e higiênico. Minha mãe sempre fazia isto e a lata que continha cêra era guardada junto a cobertura do poço de água, pois era um lugar alto longe do alcaçe das crianças, visto que o produto pode causar danos a saúde, nem tão longe assim pois a Alda deu um jeito de cutucar a onça com a vara curta.
O poço tinha uma tampa que o cobria quando não estava sendo usado – tirando água – e sempre foi o hábito de todos adultos daquela casa, na época apenas meu pai e minha mãe, além dos parentes e vizinhos quando vinham visitar, e pode ter certeza sempre vinham, aliás, a casa de minha mãe sempre foi cheia de visitas, ela sempre foi bem querida, pois até hoje é assim.
A Alda não se sabe por que, subiu no poço e começou a pular para de um lado para outro sempre se segurando na travessa que era parte da sustentação da manivela usada para tirar a água do poço, havia uma corda e um balde amarrado nela. Então ela abre a tampa do poço, só pode ter sido ela, não me lembro tê-la visto fazer isso. Continua a brincar e então ela vê a lata de cêra; fica na ponta dos pés – isso tudo acontecendo em cima do poço – e a tampa aberta; então na pontinha dos dedões ela atinge uma altura capaz de, com a ponta dos dedos da mão direita empurrar a lata de cêra, a outra mão ela segura na travessa. Então empurra, empurra com tanta dificuldade que a lata sai e cai dentro do poço. A lata esta cheia, o barulho da queda batendo na água (tibum) foi grande. Minha mãe costurava e ao ouvir tamanho barulho ficou completamente gelada, pálida, assim a D. Zulmira nos conta, e imediatamente o pensamento foi que a Alda havia caído dentro do poço, correu imediatamente ao local e viu a Alda toda sorridente, mas bem assustada.
Abraçou forte e com vários sentimentos; ao mesmo tempo que sentia raiva pelo susto que passou também sentia grande alívio, pois a Alda estava sã e salva.
Então, havia, ou não um Anjo da Guarda lá? E é de se dizer que Anjo Forte.
Ah, a água do poço continuou boa, a lata de cêra, segundo D. Zulmira, ficava sempre bem tampada.


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Um Anjo no Pé de Goiaba


Eu tinha aproximadamente um ano e meio, não me recordo bem, nossa casa, pela visão daquela época em que eu ainda era pequenino, parecia enorme, os cômodos todos muito grandes, os móveis então, nem se fala, pareciam gigantes; e quando saía para o quintal, meu Deus quanta liberdade. Lembro-me de um lugar onde ficavam as galinhas, outro lugar havia bastante madeira para lenha. O quintal todo era cheio de árvores gigantes; para mim é claro; a maioria era frutas. Uma delas o pé de goiaba.
Claramente não sei como cheguei até lá, no topo da goiabeira. Minha visão só permite lembrar-se da pilha de lenha que havia embaixo da goiabeira, lembro-me vagamente de perambular por sobre ela. Outra imagem que vem a memória é a Alda pendurada de mão em mão, nos vários galhos pelos quais ela saltitava, parecia um macaco. Lembro também que ela falava muito e ficava sempre agitada.
Ouvi alguns gritos que não sei interpretar o que eram. Mas em seguida minha mãe estava lá embaixo; como eu estava grande; não tinha a percepção de que estava alto e sim que havia crescido. Ela também estava agitada e revesava a agitação com momentos de calma, muita calma e voz macia, com momentos de fúria e voz agressiva. Não estava entendendo bolufas alguma, nem imaginava, ou melhor, nem sabia o que era perigo, e que eu estava passando por um momento que era muito perigoso e podia causar um acidente grave. Para falar a verdade não senti medo algum, acho que não entendia o que era o medo ainda.
Aos poucos fui compreendendo que estava recebendo instruções do que deveria fazer. Põe um pezinho aqui, o outro agora, não, não volta, isso, põe um pezinho aí embaixo, nesse galho, segura no outro agora, põe o outro pé, o outro, não, esse não, o outro...
Enquanto recebia as instruções recordo apenas da Alda de galho em galho, sempre pendurada, falante e agitda. E assim foi até chegar numa altura em que senti uma mão fria e úmida segurando minha perna e logo em seguida outra mão segurava-me por debaixo do braço e por fim me agarrando. Era a altura suficiente para o abraço da minha mãe.
Não me lembro de mais nada após isso, incrível, mas de uma coisa tenho certeza...
ANJOS EXISTEM!

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